Análises

Cinco anos do desastre da barragem de rejeitos em Mariana: Olhando para o futuro

Mitigar os impactos leva tempo e exige garantias de que ações tomadas para remediar os danos e restaurar o meio ambiente e os meios de subsistência sejam positivas, contínuas e duradouras

Yolanda Kakabadse·Luis E. Sánchez·
10 de novembro de 2020·3 anos atrás
Distrito de Bento Rodrigues, atingido pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, em Mariana, Minas Gerais. Imagem de julho de 2016. Foto: Felipe Werneck/Ibama.

Restaurar os ecossistemas e os meios de vida das comunidades afetadas por um desastre na escala do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana, MG, em novembro de 2015 é um esforço complexo e de longo prazo. Foram 19 vidas perdidas, 39 municípios diretamente afetados e significativos danos socioeconômicos e ambientais ao longo dos 630 km do Rio Doce e sua zona costeira, no estado do Espírito Santo. Após cinco anos, a restauração segue em andamento e longe de ser concluída. Porém, diversas lições têm sido aprendidas por muitos dos envolvidos na reparação, e emergem novas visões de um futuro mais sustentável para a Bacia do Rio Doce, e uma gama de possibilidades.

Desastres não alteram apenas o meio ambiente, mas afetam as pessoas, seus planos e perspectivas. Comunidades tradicionais e rurais perderam seus meios de vida, centenas de moradores das comunidades próximas ficaram desabrigados, muitos perderam seus empregos e sustento, e o ecossistema já degradado sofreu um impacto sem precedentes. Problemas históricos e novas adversidades, incluindo a mudança climática e os efeitos da Covid-19, atingem de forma severa as comunidades mais vulneráveis e representam para muitos uma reexposição aos efeitos do desastre.

Alcançar resultados demonstráveis no curto prazo é extremamente necessário, mas mitigar os impactos leva tempo e exige garantias de que ações tomadas para remediar os danos e restaurar o meio ambiente e os meios de subsistência sejam positivas, contínuas e duradouras. Estações de tratamento natural da água, programas de revegetação de margens de rios e de nascentes entre outras intervenções para restaurar a qualidade dos cursos d’água, são medidas que possibilitam o processo de regeneração da natureza com apoio de tecnologia, inovação e com um amplo potencial de escalabilidade e expansão para toda a bacia do Rio Doce. Tais soluções vão ao encontro das recomendações elaboradas pelo Painel do Rio Doce ao longo de três anos de trabalho e fortalecem a capacidade dos ecossistemas de enfrentar ameaças futuras, reduzindo o risco de outros desastres, aumentando a segurança alimentar e hídrica da região e mitigando os efeitos das mudanças climáticas.

“A experiência no Rio Doce avançou o suficiente para que se reconheça que alguns processos ainda precisam ser melhorados, alterados ou adaptados. ”.

A experiência no Rio Doce avançou o suficiente para que se reconheça que alguns processos ainda precisam ser melhorados, alterados ou adaptados. As capacidades e limitações estão claras – e podem se tornar oportunidades de fortalecer as instituições responsáveis e as comunidades para responderem e se prepararem melhor para os riscos atuais e futuros.

Informações e conhecimentos valiosos estão sendo produzidos, assim como um significativo aprendizado social. Um processo colaborativo e devidamente sistematizado e informado pode ajudar as instituições envolvidas na restauração a entender os desafios que existem e a manter e melhorar os resultados além dos programas de reparação e compensação da Bacia do Rio Doce. Ainda, tal colaboração pode ajudar a priorizar ações e racionalizar a gestão de recursos humanos e financeiros de forma eficiente e responsável, adotando mecanismos de longo prazo capazes de fornecer apoio contínuo aos esforços de restauração e proteção ambiental, bem como a remediação de problemas históricos.

Os esforços de restauração são instrumentos para preparar o caminho para uma sociedade mais sustentável e resiliente e que possa se “reconstruir melhor”, deixando um legado positivo e de longo prazo. A adoção de uma perspectiva de longo prazo – na ordem de décadas –, e uma visão que aborde as múltiplas escalas dos impactos do rompimento, são fundamentais para planejar as medidas necessárias para a restauração e que seus resultados sejam duradouros e resilientes. Universidades, sociedade civil, organismos internacionais, iniciativa privada, governos locais e estaduais, e comunidades têm a oportunidade e recursos para utilizar todo conhecimento disponível e assumir papéis e responsabilidades para garantir que as soluções propostas sejam duradouras e contribuam para a sustentabilidade da bacia como um todo e um ecossistema mais saudável. A população do Rio Doce, especialmente os afetados pelo desastre em 2015, não merecem nada menos que isso.

*O Painel Rio Doce é um Painel Independente de Assessoria Técnica e Científica, (ISTAP, na sigla em inglês), formado sob a égide da UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza), com o objetivo de produzir recomendações técnicas e científicas para a Fundação Renova e outros atores envolvidos na restauração da Bacia do Rio Doce e avaliar o trabalho que está sendo realizado na região, com foco na saúde e resiliência dos ecossistemas a longo prazo e na promoção do desenvolvimento social e econômico sustentável. 

 

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